sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Silêncio ensurdecedor de Veja


A revista Veja publicou, nesta semana, matéria de capa na qual se utilizou de recursos ilegais para obter informações: primeiro, houve tentativa de invasão de domicílio e crime de falsidade ideológica; depois, violação de privacidade.

Abalos à própria credibilidade e verdadeiros atentados à atividade jornalística, os atos de Veja constituem caso de polícia e grande preocupação quanto ao respeito aos direitos fundamentais do Estado Democrático de Direito.

Com métodos absurdos e distantes do que é jornalismo, Veja incumbiu um de seus “repórteres” a tentar entrar no meu quarto de hotel, fingindo ser o dele e pedindo a uma camareira para abri-lo. Ela se recusou, informou a direção e o hotel registrou a tentativa de violação de domicílio em boletim de ocorrência.

O mesmo “repórter” tentou, posteriormente, se passar por um assessor da Prefeitura de Varginha e disse que precisava deixar em meu quarto “documentos relevantes”. Foi descoberto novamente.

Mas a revista decidiu publicar a farsa e —pasmem!— veiculou imagens dos corredores do hotel, de uma câmera oculta plantada no andar em que me hospedei.

A espionagem de Veja ultrapassa todos os limites e constitui um atentado à democracia —lembra os tempos de ditadura. Viola o princípio constitucional da intimidade, não apenas minha e das pessoas com quem me encontrei —deputados, senadores, governadores e ministros de Estado—, mas de todos os demais hóspedes.

Infringe ainda nosso Código Penal. Colide com princípios básicos da democracia, como o direito de qualquer cidadão de se reunir. Quando esses direitos fundamentais são ameaçados dessa forma e prevalece o silêncio, toda a sociedade está em risco.

Confrontada com os fatos, Veja se comportou como se tais práticas fossem legais e desejáveis do ponto de vista jornalístico. Mas não são, como ressaltaram vários sites e blogs —Terra, UOL, Brasil 247, Vermelho e Sul21—, denunciando o caráter criminoso dos atos praticados pela revista, além das inúmeras manifestações de apoio que recebi.

As emissoras Record e SBT noticiaram o episódio. Procurada para opinar, Veja se recusou a expor suas razões.
Há pouco mais de um mês, o mundo se surpreendia com a revelação de que o tabloide britânico News of The World se utilizou diversas vezes de expedientes ilegais para obter informações sobre personalidades e altas autoridades políticas. Lá, o News of The World fechou as portas e vários de seus dirigentes estão sob investigação.

Aqui, o caso está nas mãos da Polícia Federal e da Polícia Civil do Distrito Federal e não podemos deixá-lo cair no esquecimento, é preciso haver punições.

As práticas tão distantes de um verdadeiro jornalismo investigativo deveriam incomodar a todos os que trabalham por uma atividade jornalística séria e comprometida com a busca da isenção. Com seu silêncio ensurdecedor, Veja mantém as vestes de polícia política que usou para me espionar na matéria-farsa que produziu.

Definitivamente, a ação da Veja revela uma perspectiva preocupante. Como bem pontuou Alberto Dines, em artigo no Observatório da Imprensa sobre o caso, “a matéria recoloca o jornalismo político brasileiro na Era da Pedra Lascada”.

Será essa a ponta do iceberg de um jornalismo de delitos, tal qual o News of The World? Se queremos evitar esse enredo policial, com marcas dos períodos de exceção, é preciso cobrar a quebra desse silêncio ensurdecedor.

José Dirceu, 65, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT

Nenhum comentário: