segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Cracolândia e os marginalizados.

Em 3 de janeiro, a Polícia Militar de São Paulo deflagrou uma operação com o objetivo de combater o tráfico e o consumo de crack na região conhecida como Cracolândia, centro de São Paulo, uma das ações de ‘higienização’ para os próximos eventos esportivos e em busca de deixar uma cidade visualmente bonita esqueceram-se de quem realmente importa e merece respeito: o cidadão.

Que a situação do crack é um problema alarmante isso é obvio, porém as ações públicas que estão sendo tomadas para exterminar a ‘cracolândia’ estão longe de noções de direitos humanos, só que o governo de São Paulo ainda não entendeu uma situação obvia: Droga não é um problema da polícia é um problema de saúde e quem pode tratar usuário não é policial é médico, psicólogo e assistente social encontrados nos Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e outras drogas (CAPS) os Programas de Saúde da Família através dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (os NASFs); Casas de Acolhimento Transitório (as CATs) para pessoas em situação de vulnerabilidade territorial; Consultórios de Rua, móveis, para o acolhimento e atenção dessas pessoas; Leitos Hospitalares de Referência nos Hospitais Gerais (sim, porque só neles podem ser tratados os agravos clínicos conseqüentes ao uso de drogas lícitas e ilícitas); além dos hospitais especializados.

Como a Edmar Oliveira* disse “Estão usando o crack para criminalizar a pobreza e atacar os bolsões de populações em situação de vulnerabilidade com o eufemismo do 'acolhimento involuntário'. Construção inconciliável, que nós, os que trabalhamos no campo da Saúde Mental, sabemos ser falsa: ou bem o acolhimento é voluntário ou, se involuntário, aí não é mais acolhimento, e sim recolhimento.”.
A política anti-drogas dos EUA está claramente falido, são 30 anos de luta contra as drogas e pelo contrário do objetivo o mercado e os usuários só crescem mais, e como fazem pra coibir eles? Usam a polícia com armas de fogo, com spray de pimenta, gás lacrimogênio e mandando o usuário pra cadeia, detalhe que não conseguiram conter as drogas em NENHUMA cadeia do mundo, ou seja, os usuários continuarão a usar drogas na cadeia. Isso já não é motivo obvio pra perceber que esse tipo de política não funciona?

Edmar Oliveira completa: “Assistir ao desmantelamento das políticas complexas, que ainda estavam em ritmo de implantação, para a recuperação de um modelo já condenado no século passado é um martírio que os militantes da construção da Reforma Psiquiátrica estão vivendo. A Reforma Psiquiátrica é um movimento que implantou dispositivos comunitários de Saúde Mental, reduzindo consideravelmente o uso do hospital psiquiátrico especializado. E pior é saber que o modelo da internação (na contramão da Reforma), proposto atualmente, condena à exclusão intencional, em nome do tratamento, populações vulneráveis que sofrem da epidemia de abandono social. E para as quais haveriam de ser implantadas políticas públicas sociais, educacionais, habitacionais e de emprego propondo a inclusão dessas pessoas que ficaram para trás no apressamento competitivo dessa sociedade. Pois não é o crack a epidemia a ser enfrentada, mas o abandono de populações marginalizadas que não encontram lugar nessa sociedade do individualismo.”

Vamos superar modelos retrógrados e que nos já deram mais do que provas que não dão certo e vamos olhar com mais humanidade pra essas políticas públicas que tratam o usuário como um criminoso e por se acharem superiores a eles usam de repressão e violação dos direitos humanos para com esses cidadãos. *O psiquiatra Edmar Oliveira foi diretor do Instituto Nise da Silveira (RJ). É autor dos livros Ouvindo Vozes Vieira & Lent, 2009, RJ; e von Meduna, Oficina da Palavra, 2011, Pi, ambos sobre práticas em Saúde Mental. Este texto foi originalmente publicado em novembro de 2010.

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