Final de ano, 2008 ia se despedindo, as confraternizações de Natal e Ano Novo substituindo as atividades sociais e de trabalho rotineiras. Na política, recesso parlamentar em todas as esferas, cobertura jornalística mínima, lideranças governamentais em férias. Quanto ao poder judiciário, férias forenses, plantão nos Tribunais, recesso da justiça eleitoral. É como se todos combinassem de dar uma trégua em gerar fatos novos, causar problemas, criar conflitos, na expectativa de que haverá o tempo e a hora de retomada da vida normal, com seu incansável combate.
Por Nádia Campeão*
Nestes dias o suplente de deputado estadual Pedro Bigardi (PCdoB), preparava-se para assumir a condição de deputado no dia 5 de janeiro. Com a eleição de deputados estaduais da coligação PT-PCdoB como prefeitos, assumiriam o dois primeiros suplentes diplomados pela ordem de votação: Beth Sahão (PT, 51.931 votos) e Pedro Bigardi (PCdoB, 51.741 votos).
Este ato líquido e certo, realizado incontáveis vezes no legislativo brasileiro porque assim determina a legislação eleitoral, havia também sido anunciado ao longo de dezembro de 2008 pela própria página da Assembléia Legislativa na internet e reafirmado pelo presidente da Casa, deputado Vaz de Lima (PSDB) em encontro mantido com uma comissão de dirigentes do PCdoB, entre eles o próprio Pedro Bigardi e o ex-deputado Nivaldo Santana. Ressalvou na ocasião o presidente da Casa que, “salvo medida judicial em contrário”, estava garantida a posse de Bigardi. Referia-se ele ao fato conhecido de que Pedro Bigardi disputara a eleição em 2006 pelo PT, na coligação PT-PCdoB, e agora encontrava-se filiado ao PCdoB (desde maio de 2007, e tendo já disputado a prefeitura de Jundiaí pelo partido). Como a resolução do TSE que trata da fidelidade partidária já estava vigendo, haveria a possibilidade de questionamento jurídico por parte do Partido dos Trabalhadores junto à Justiça Eleitoral.
Mas o presidente da Assembléia Legislativa mudou de opinião e de conduta justamente nos últimos dias do ano e fez publicar, no Diário Oficial do dia 1o. de janeiro, a decisão de convocar para a posse o suplente Carlos Néder (PT, 43.036 votos), baseando-se em solicitação enviada pelo presidente estadual do PT, Edinho da Silva, em que este “informava” que Pedro Bigardi se desfiliara do PT sem justa causa e reivindicava o mandato para um suplente do PT, argumentando que a coligação não deveria ser considerada. O mesmo pleito foi apoiado pelos 20 deputados estaduais que compõem a bancada do PT na Assembléia Legislativa, que tem o deputado Donizetti Braga ocupando o cargo de primeiro Secretário na Mesa da Alesp.
E assim, sem nenhuma decisão jurídica, sem nenhuma comunicação anterior, sem garantir o inalienável direito de defesa e do contraditório, sem ao menos anexar um parecer jurídico por escrito – nem mesmo da assessoria técnica da própria Assembléia –, acatando como bastante suficiente a palavra de um único interessado (no caso o Partido dos Trabalhadores), violou-se a vontade popular, a soberania das urnas e a tradição parlamentar brasileira de respeito aos mandatos, até que haja um processo tramitado e concluído na Justiça Eleitoral ou na Casa Legislativa correspondente, de acordo com cada caso.
O deputado Vaz de Lima outorgou exclusivamente a si próprio a condição de substituir a Justiça Eleitoral na prerrogativa de analisar e julgar casos de infidelidade partidária, bem como a autoridade de arrostar o direito legítimo de um suplente que foi mais bem votado que o outro de tomar posse no mandato. É flagrante caso de abuso de poder, agravado ainda mais pelo fato de voltar-se contra um partido que não está representado na Assembléia, na atual legislatura, e nem poderia resistir ou se defender no âmbito da Casa.
Mas o deputado teve a “gentileza” de indicar aos dirigentes do PCdoB que o questionaram depois do ocorrido, de que era nosso direito procurar a justiça. Por que então o presidente não recomendou o mesmo caminho ao Partido dos Trabalhadores quando foi protocolado o pedido no início de dezembro? Muito mais tempo havia para que o PT procurasse a justiça do que o tempo que ele permitiu a nós – um único sábado e domingo na virada do ano, em quase completo recesso da justiça.
Naturalmente que tal decisão, marcadamente política, só foi possível porque de interesse dos dois maiores partidos representados na Assembléia, o PT e o PSDB. Estes partidos que polarizam campos políticos opostos em plano nacional e estadual, atuaram juntos para impedir a posse de Pedro Bigardi. É bom lembrar que Jundiaí é a cidade governada há mais de 20 anos pelo PSDB e, na eleição de 2008, seu candidato a prefeito Miguel Haddad (PSDB) foi condenado em primeira instância em seis processos por abuso de poder político e econômico, só conseguindo tomar posse depois de obter liminar no TRE. Neste mesmo pleito, Pedro Bigardi ficou em segundo lugar, com 35% dos votos.
Na segunda-feira, dia 5 de janeiro, às 15 horas, deu-se posse ao suplente Carlos Néder. Às 13 horas o relator do Tribunal de Justiça tomou conhecimento do Mandado de Segurança impetrado por Pedro Bigardi e pelo PCdoB e a solicitação de liminar para suspensão da posse. O relator deu seu primeiro despacho no dia seguinte, terça-feira, indeferindo a liminar “já que não havia mais urgência, pois já havia ocorrido a posse”, remetendo portanto à decisão de mérito.
Triste episódio da política e do legislativo paulista.
Sobre a atitude do Partido dos Trabalhadores de São Paulo, é inescapável apresentar algumas reflexões. O PT e o PCdoB estiveram coligados nas disputas estaduais de 1990 (Plínio de Arruda Sampaio para governador), de 1994 (José Dirceu), 1998 (Marta Suplicy), 2002 (José Genoíno), 2006 (Aloísio Mercadante). Nestas disputas majoritárias foram eleitos também em coligação os senadores do PT Eduardo Suplicy e Aloísio Mercadante.
No caso de 2006, a chapa que enfrentou o PSDB e a candidatura de José Serra, foi composta por Aloísio Mercadante governador e Nádia Campeão, do PCdoB, como candidata a vice-governadora. Apoiamos e ajudamos a eleger o senador Eduardo Suplicy numa disputa duríssima, ainda que tendo sido deslocado o candidato do PCdoB da primeira suplência do senado depois de acordo firmado. A coligação elegeu 15 deputados federais (14 deputados do PT e um do PCdoB) e 20 deputados estaduais (todos do PT).
Durante a campanha, já nas duas últimas semanas, estourou o caso da “Máfia dos Sanguessugas” , cujo epicentro foi a política paulista. Foi enorme o movimento realizado pela mídia e a oposição a Lula para responsabilizar e envolver todo o PT e suas principais lideranças estaduais e nacionais. A posição e o comportamento do PCdoB foi sereno e solidário, do começo ao fim. A crise abalou o resultado eleitoral da coligação: não chegamos ao segundo turno, fato inédito em relação aos pleitos anteriores, e diminuiu a bancada federal e estadual. O PCdoB foi bastante prejudicado: com a diminuição das bancadas, perdemos um mandato federal e os dois mandatos estaduais. Apesar disso, os votos dos candidatos do PCdob foram decisivos para a conquista das duas últimas vagas, alcançadas pela média.
Deveriam o PT e suas lideranças pesar esta trajetória política e estes fatos mais recentes na hora de decidir pleitear mais um além dos mandatos estaduais que já tem na Assembléia?
Deveriam o PT e suas lideranças considerar que a desfiliação de Pedro Bigardi do PT, após mais de 20 anos de militância no partido, quando nem exercia mandato, pode não se configurar meramente como um caso de infidelidade partidária de alguém que se afasta para auferir vantagens do poder ou de governos?
Deveriam o PT e suas lideranças considerar que Pedro Bigardi filiou-se ao PCdoB, partido da mesma coligação, que sustenta no fundamental as mesmas posições políticas de esquerda no âmbito da disputa estadual e nacional, e que poderia voltar a ter representação na Assembléia?
Deveriam o PT e suas lideranças considerar que na cidade de Jundiaí trava-se uma poderosa disputa política e jurídica em que o PSDB não tem interesse algum em que Pedro Bigardi tenha mandato de deputado?
Como ninguém que atua na política subestima o PT, certamente consideraram todas as implicações e decidiram. A determinação foi tão grande que levou o PT a realizar uma competente manobra “branca” e silenciosa, com apoio do tucano Vaz de Lima, para não se expor a riscos jurídicos e nem a um debate político mais profícuo. Situação confortável é sempre melhor, é compreensível.
Mas a luta política seguirá seu curso em São Paulo sem maiores sobressaltos. Pode ser que o presidente Vaz de Lima tenha sua autoridade e seu prestígio reforçados com a atitude que tomou. O próprio deputado Carlos Néder (PT) considerou-a “correta e corajosa”... Pode ser que a bancada do PT exerça com mais força seu papel de oposição no Estado e fortaleça seus laços internos.
O certo é que este episódio agrava as relações entre PCdoB e PT no estado. Esperamos, todavia, que este fato alcance um debate político e jurídico que contribua para aperfeiçoar a legislação eleitoral brasileira e as regras da fidelidade partidária, até porque o seu desfecho poderá servir de parâmetro para as demais Casas Legislativas.
(*) presidente do PCdoB do estado de São Paulo
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