Entre 52 libertados estavam jovens de 13 e 14 anos manuseando machados. Fazendeiro nega que eles trabalhavam e diz que ambos foram “oportunistas”
Quatro adolescentes foram encontrados
entre os 52 trabalhadores resgatados de situação análoga à escravidão em
fiscalização realizada na zona rural do município de Tailândia (PA), no
final de janeiro, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE). Dois deles, de 13 e 14 anos, exerciam atividade de risco
manuseando machados na extração e beneficiamento de madeira, trabalho
que está entre as piores formas de exploração infantil, conforme a
Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho e a legislação
brasileira. Outro, de 16 anos, trabalhava com uma foice para abrir
caminho para a passagem das toras. E uma garota de 15 anos trabalhava
como cozinheira em uma das frentes de trabalho. Ronaldo de Araújo Costa,
proprietário da fazenda em que o flagrante aconteceu, nega que tenha
explorado trabalho escravo e infantil, diz que os adolescentes não
trabalhavam e que foram “oportunistas” ao se depararem com a
fiscalização.
“O trabalho que eles realizavam era de
‘lapidador’, eles lapidavam o tronco até deixá-lo no formato de mourões
para cercas. Dois dos adolescentes utilizavam machados e um, uma foice.
Eles estavam trabalhando nas frentes, não há dúvidas quanto a isso”, diz
a auditora fiscal Inês Almeida, do MTE. Na ação, o Grupo Especial de
Fiscalização Móvel formado por agentes de diferentes órgãos, incluindo
da Polícia Rodoviária Federal, apreendeu 11 armas, que, segundo os
trabalhadores e os proprietários, eram utilizadas para caça. As
atividades relacionadas a produção florestal são consideradas de risco 3
a 4, em uma escala de 1 a 4, conforme a Norma Regulamentadora Nº 4, do
Ministério do Trabalho e Emprego.
Entre os resgatados, havia uma mulher
grávida, isolada assim como os demais dentro da mata. “Os trabalhadores
viviam em barracos de lona sem nenhuma infraestrutura. Havia famílias e
crianças. A água que eles consumiam era de igarapés, alguns com água
parada. Era uma água suja, escura e a única que eles tinham para
consumir. As pessoas tomavam banhos com tigelas. Todos viviam em uma
condição muito limitada”, conta a auditora.
Ronaldo nega que a água consumida pelo
grupo era suja. “São águas de igarapés que nascem na mata. A minha
família chama de água mineral, todos nós bebemos essa água. Acho até que
melhor do que a de outras fontes de água mineral do estado”, afirma o
fazendeiro.
Responsabilidade
A extração de madeira acontecia em sete
frentes localizadas na propriedade conhecida como Fazenda São Gabriel,
um conjunto de três fazendas administradas por Hortêncio Pinhoto Costa,
pai de Ronaldo, o proprietário. Os trabalhadores resgatados viviam em
barracos de lona, alguns distantes a mais de 10 km dentro da mata. Os
mourões fabricados eram levados até a sede e vendidos pelos
proprietários, que ficavam com 30% do valor e repassavam 70% aos
responsáveis por cada frente, de acordo com Ronaldo. Ele defende que,
por ter arrendado a exploração, não tem responsabilidade pelas condições
encontradas.
“Ele tem, sim, responsabilidade. Os
trabalhadores estavam na propriedade dele, recebiam ordens deles sobre
onde cortar e até a venda era coordenada pela família, que não fornecia
nem transporte e nem alimentação. Os trabalhadores compravam de uma
cantina da fazenda, onde havia também fumo e ferramentas de trabalho.
Muitos ficavam devendo, o que caracteriza servidão por dívida”, explica a
auditora Inês.
Além de submissão a trabalhos forçados
ou a jornadas exaustivas, o trabalho escravo contemporâneo pode, de
acordo com o artigo 149 do Código Penalbrasileiro, ser caracterizado
pela submissão a condições degradantes, restrição da locomoção dos
trabalhadores ou a servidão por dívida. A pena, que vai de dois a oito
anos de prisão em caso de condenação, deve ser aumentada pela metade se o
crime for cometido contra crianças ou adolescentes.
Foram lavrados 24 atos de infração pela fiscalização em função de irregularidades encontradas.
Vulnerabilidade social
Ronaldo, o dono da fazenda, diz que
falar em trabalho escravo no local é uma alegação “grotesca” e ressalta a
pobreza da região ao ser questionado sobre as condições em que os
empregados foram encontrados. “Os trabalhadores estavam recebendo. E
agora? Antes, moravam em barracos, poderia até não ter um banheiro de
alvenaria, mas eles tinham algo. Agora não vão ter onde morar. E nem o
que comer”, ressalta o fazendeiro, que vive com a família em um dos
condomínios de luxo mais caros da capital Belém (PA).
Os resgatados receberam R$ 168,9 mil em
verbas rescisórias. “Muitos dos que estavam lá eram visitantes que
acabaram se aproveitando. São oportunistas como os garotos, que estavam
só visitando ou vivendo com a família e não trabalhavam. Em três meses,
quando o dinheiro acabar, estarão todos desempregados e em condições
piores ainda”, ataca o fazendeiro. Justamente para evitar que a situação
de vulnerabilidade social possa acarretar em reincidência de trabalho
escravo, as autoridades têm discutido programas de inserção de
libertados e também medidas para minimizar a desigualdade em regiões
onde o problema é crônico.
Entre as medidas que podem resultar em
um avanço significativo neste sentido está a Proposta de Emenda
Constitucional 438, a PEC do Trabalho Escravo, que prevê que as terras
em que for flagrado trabalho escravo sejam expropriadas e destinadas a
reforma agrária. Por enquanto, os trabalhadores resgatados seguem
vulneráveis, sujeitos a serem cooptados em esquemas de superexploração.
“Eles saem de uma situação, mas ficam em outra”, admite Inês, que
defende programas de treinamento e capacitação para ajudar os
resgatados. “Eu perguntei para um dos meninos o que ele gostaria de
fazer quando crescesse. Achei que ele iria falar em algum trabalho mais
leve, melhor. Ele disse que quer trabalhar na roça da juquira”, completa
a auditora, se referindo à atividade de desmate para abertura de
pastos, onde é bastante comum o uso de mão de obra escrava.
Fonte: Por Daniel Santini, do Repórter Brasil
|
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
Adolescentes escravizados exerciam atividades de risco no Pará.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário