quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Moraes Moreira e o clássico dos Novos Baianos



“Nós dizemos as coisas pra nós mesmos e vamos nos dizendo até não nos lembrarmos mais. Só saberemos. No mais, é ferro na boneca, é no gogó, neném”. A frase é de Moraes Moreira, está na capa interna do álbum Acabou chorare, que completa este ano 40 anos, e virou item obrigatório na coleção de discos de uma geração que tem metade da idade do disco.


 moraes moreira
Moraes Moreira
“Onde tenho feito shows com a música de Acabou chorare na plateia a meninada de 17, 18 anos é a maioria e todo mundo canta junto”, confirma Moraes Moreira, em entrevista por telefone.

“É ferro na boneca”, uma expressão da época, é também título do primeiro disco dos Novos Baianos, lançado em 1970, pela RGE. O primeiro grupo de rock brasileiro udigrúdi conseguiu um relativo sucesso com este disco, mas a acanhada cena roqueira nacional não desfrutava de muito espaço. Até então roqueiro brasileiro tinha cara de bom moço. Dois anos mais tarde Os Novos Baianos mudaria em gênero, número e grau. 

O grupo de roqueiros baianos fez um disco de MPB, com pegada de rock and roll, que se tornou um dos mais tocados em 1972 e um clássicos instantâneo. É o repertório de Acabou chorare que Moraes Moreira vai apresentar sábado, no festival No Ar! Coquete Molotov, no Teatro da UFPE, no Recife: “Faço todas as nove músicas do disco. Como elas não são suficientes para um show inteiro, completo com algumas dos Novos Baianos e da carreira solo”, adianta Moraes Moreira.

Ele poderia até incluir no show alguma sobra de Acabou chorare. Do álbum de estreia até a gravação do seu disco mais aclamado, a dupla Moraes & Galvão encheu um baú de músicas. Das sobras, apenas Três letrinhas saiu do ineditismo, foi gravada por Maria Monte, no disco Universo meu redor (2006). "A gente gravou alguma músicas numa fita de dois canais. Uma gravadora queria lançar, mas a gente não topou. Descobriram esta fita agora, pode ser que seja aproveitada, tem coisa inéditas”, conta Moraes.

A apresentação inicial de Acabou chorare foi feita em formato acústico, com Moraes Moreira e David Moraes, no Instituto Moreira Salles, no Rio. Foi tão bem-sucedida que a dupla recebeu convite do Studio RJ para mais um show. Depois veio o Circo Voador. Acabou virando turnê nacional, agora com uma banda, repetindo os mesmos arranjos e tocando os mesmos instrumentos do álbum original. Moraes Moreira não descarta uma reunião dos Novos Baianos para celebrar o disco, mas tampouco sinaliza para a possibilidade disto acontecer: “Cada um de nós está celebrando à sua maneira. Soube que Galvão está com um show com Acabou chorare. Não vejo problema em fazer sem eles, e não fica muito diferente, porque as vozes e os violões no disco são quase todas feitas por mim”.

Os baianos que faziam rock and roll (embora no disco inicial tenha até tango) tiveram a cabeça feita por João Gilberto. Numa das suas inesperadas aparições, surgiu sem avisar no apartamento onde moravam os conterrâneos: “João chegou e mudou tudo, mas ao mesmo tempo a gente não perdeu a pegada roqueira. O disco é de samba, mas também é de rock, é por isto que agrada à meninada até hoje”. Embutidas em Preta pretinha, Swing de Campo Grande e Mistério do planeta está a música que os jovens baianos curtiam na Salvador de finais dos anos 60: “Gente ouvia muito Jimi Hendrix, muito mesmo. Led Zeppelin, Janis Joplin, ouvia muito rock. E ouvia Caetano, que conhecemos em 1969, lá em Salvador, no bar O Brasa, que ele frequentava no tempo em que esteve confinado na cidade”, diz, referindo-se ao momento pouco antes da ida de Caetano e Gil para a temporada em Londres.

 

Disco

"O lado A, Besta é tu, é de uma chatice atroz. Isto apesar da competência sonora do grupo. A sensação é anestesiante, a letra vai sendo repetida e a gente pensa que, em vez de compacto, está ouvindo um LP interminável. Do outro lado as coisas melhoram. Acontecem transações curtidas e Baby Consuelo dá seu recado com voz gostosa. O título é Menina canta (sic). Tem uma coisa chatíssima: o disquinho foi muito mal-produzido, a gente não consegue ouvir o grupo que acompanha Os Novos Baianos, o ótimo A Cor do Som"…”.

O comentário é do crítico Ezequiel Neves (1935/2010), na coluna Toques, na edição de outubro de 1972, da primeira edição nacional da Rolling Stone. O compacto simples, com Besta é tu e A menina dança (e não “canta”, como escreveu Ezequiel), foi o primeiro pinçado do repertório do LP Acabou chorare, dos Novos Baianos, um disco fundamental não apenas para o ano da graça de 1972, como da história da MPB .

Mas o mesmo Ezequiel se renderia a Acabou chorare, na edição de novembro do jornal (na época a Rolling Stone não era ainda revista). Derramou-se em elogios ao álbum em meia página farta em adjetivos: “… Isso porque há muito tempo não bate na minha cuca uma coleção de sons tão fantasticamente eufóricos, um desbunde musical de deixar sua cuca completamente dissolvida de tanta alegria. Já ouvi o disco umas quinhentas vezes e vou continuar ouvindo até a vitrola se espatifar, e minha cuca também”.

Pode-se resumir Acabou chorare assim: um disco de MPB com espírito da contracultura que aportara no Brasil no final dos anos 60. Evidentemente, Acabou chorare, e os próprios Novos Baianos só foram possíveis graças à virada de mesa batizada de tropicalismo, e a uns bons conselhos fumados com João Gilberto, no lendário sítio que eles tinham em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio.

Serviço:
Festival Coquetel Molotov
21 e 22 de setembro
Centro de Convenções da UFPE (Av. dos Reitores, s/nº, Cidade Universitária). 

Fonte: Jornal do Comercio

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