O olhar sobre os ombros daquele estereótipo exótico e quase escalafobético que Belém do Pará passou a transpor para os veículos de comunicação enxerga uma cidade contemplativa na sua imensidão de água doce e um rio tenso em que navegam conflitos. De muitos tipos. Do homem contra o urubu. Do sol contra a chuva. Do 16º IDH brasileiro contra a riqueza do extrativismo mineral. Do sabor forte e ácido do açaí contra o peixe frito e a farinha salgada. De uma universidade impressionante à beira do Guamá contra a falta de estrutura. Joelma contra Dorothy.
E foi na data em que todo o país lembrava a memória, pedia justiça e prestava homenagem aos que tombaram no “Massacre do Eldorado dos Carajás”, ocorrido dia 17 de abril de 1996, no sul do estado do Pará, que a Caravana da UNE estacionou na Universidade Federal (UFPA) e vivenciou as contradições e alegrias. Belém é a quinta cidade visitada nessa jornada que teve início dia 15 de março em Brasília e já passou por Porto Alegre, Curitiba e Manaus.
Com o objetivo de promover discussões em todo o território nacional sobre qual o projeto de nação que juventude quer para os próximos 10 anos, em cada cidade convidados são provocados pelos estudantes a fazer esse exercício de pensar o Brasil. Em Belém, o tema colocado foi “Direitos Humanos e a questão da terra”. Participaram do Aulão o jornalista Lúcio Flávio Pinto e o pesquisador Paulo Fonteles Filho.
Estavam presentes também o presidente da UNE, Daniel Iliescu; a Vice-presidenta da UNE, Clarissa Cunha; a presidenta da União Acadêmica Paraense, Tamara Figueiredo; e os diretores da UNE, Rafael Sodré e Angelo Ranieri.
A universidade e o intelectual
Profundo conhecedor da Amazônia, o jornalista Lúcio Flávio Pinto falou para mais de 200 estudantes que preencheram o auditório o ICJ na UFPA. “As pessoas não conseguem ouvir só querem saber falar. E muitas vezes as pessoas tem uma presunção do conhecimento. A maior virtude é saber ouvir”, disparou. “E temos no Brasil uma tradição repressiva de valorização do conhecimento e da inteligência. Nosso problema é histórico e cultural”, disparou mais uma vez.Lúcio provocou a plateia e continuou. Para ele, a interiorização dos intelectuais dentro das universidades públicas ou pagas privatizaram o pensamento. “Privatização no sentido de que o intelectual passa a considerar importante a carreira acadêmica e fala para o os seus pares, não para a sociedade. O intelectual saiu das ruas e da praça e isso afetou muito a qualidade da discussão pública”, explicou.
O desafio, segundo ele, é colocar a ciência no dia a dia da dinâmica da região, sendo esse o único caminho para impedir na Amazônia o que ocorreu na África e na Ásia, região coloniais. “As regiões coloniais não escreveram a sua própria história”, disse.
A Amazônia e o milagre brasileiro
Pela lógica, Belém e o Pará como um todo deveriam hoje estar entre as regiões mais desenvolvida do país, em razão de suas inúmeras potencialidades que o colocam, por exemplo, como o maior estado minerador do mundo. Mas, assim como ocorreu no século passo durante o ciclo da Borracha, as riquezas se concentraram e geraram expressiva desigualdade social.Paulo Fonteles Filho acredita que boa parte dessa desigualdade é fruto também de uma presente violência das empresas que gestam grandes negócios na região, apoiadas em um Estado ainda arcaico e cheio de resquícios de uma truculenta ditadura militar. Nos seus estudos, a Guerrilha do Araguaia aparece como um marco da presença violenta do Estado, quando militantes contrários ao regime autoritário dos militares foram brutalmente assassinados nas matas do Pará.
“Nos últimos vinte anos, mais de duas mil pessoas, entre lideranças camponesas, sindicalistas, religiosos, advogados e políticos foram assassinados pelo latifúndio no estado. Cerca de 98% dos casos não tiveram apuração e a justiça não foi feita. Essa é a realidade”, pontuou.
Lúcio contou que o objetivo da Amazônia sempre foi gerar nova riquezas para o país com a lógica de que a região cresceria rapidamente e dessa forma sustentaria o milagre do crescimento econômico brasileiro. Só que os número atuais mostram o Pará no 16º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano e uma taxa de mais de 10% de analfabetismo, com áreas extremamente pobres e desiguais.
Pré-Sal para a educação para mudar a cara do Brasil
Uma das bandeiras da UNE, a defesa dos 50% do fundo social do Pré-Sal para a educação, foi citada por Paulo Fonteles como um dos caminhos para o Brasil superar os seus grandes dilemas com investimentos em ciência e tecnologia e em mais universidades.“A universidade é a melhor dimensão da sociedade brasileira, como todos os seus problemas, as suas vicissitudes. A universidade é quem vai dar o rumo para que nós possamos seguir adiante”, concluiu Paulo, que é filho de um ex-deputado estadual e advogado, Paulo César Fonteles de Lima, assassinado a mando do poder ruralistas em 11 de junho de 1987. Até hoje os mandantes do assassinato não foram levados a julgamento e Belém agoniza em meio à sua desordem criativa.
Fonte: UNE
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